Um pouco de Topologia, Teoria do Caos & Sistemas Dinâmicos

Uma imagem do artigo de pesquisa publicado  “Jewels from chaos: A fascinating journey from abstract forms to physical objects.”
Francesca Bertacchini, Pietro S. Pantano, Eleonora Bilotta
Uma imagem do artigo de pesquisa publicado “Jewels from chaos: A fascinating journey from abstract forms to physical objects.” Francesca Bertacchini, Pietro S. Pantano, Eleonora Bilotta

Em um universo onde temos que despender energia para manter as “coisas” em seu devido lugar, vemos como a ordem e o caos dançam em um equilíbrio delicado, a teoria dos sistemas dinâmicos serve como uma bússola, guiando nossa compreensão dos padrões subjacentes que regem o movimento e a mudança. No coração dessa teoria reside o Teorema da Recorrência de Poincaré, este, é um pilar fundamental que desafia nossa compreensão clássica do mundo. Formalmente, o Teorema da Recorrência de Poincaré é dado por:

Seja (X, M, μ, T) um sistema dinâmico medida-preservante, onde X é um espaço de estados, M é uma σ-álgebra, μ é uma medida de probabilidade e T: X → X é uma transformação medida-preservante. Se A é um conjunto mensurável com μ(A) > 0, então, quase todo ponto x em A retorna a A. Em outras palavras, o conjunto dos tempos de retorno 

Nᴬ = {n ≥ 1 : Tⁿ(x) ∈ A}

é infinito para μ-quase todo x em A.

Este teorema, embora “trivial” em sua formulação, tem implicações profundas para a maneira como entendemos os sistemas dinâmicos. Ele nos diz que, em um sistema dinâmico, quase todos os pontos eventualmente retornarão a um estado muito próximo ao seu estado inicial. Isso sugere uma espécie de ‘recorrência’ ou ‘ciclicidade’ inerente aos sistemas dinâmicos, uma ideia que continua a informar e inspirar pesquisas em física-matemática.

É importante destacar que um sistema dinâmico medida-preservante é um tipo especial de sistema dinâmico que tem uma propriedade chamada invariância de medida. Isso significa que, se você tem uma certa medida (uma maneira de atribuir um “tamanho” ou “peso” a diferentes partes do espaço de estados) que é invariante sob a evolução temporal do sistema, então o sistema é dito ser medida-preservante.

Em termos mais técnicos, um sistema dinâmico medida-preservante é geralmente definido por um espaço de estados X, uma σ-álgebra M sobre esse espaço, uma medida de probabilidade μ sobre M, e uma transformação T: X → X que preserva μ. Isso significa que para todo conjunto mensurável A em M, a medida de A é igual à medida de sua imagem sob T, ou seja,

μ(A) = μ(T(A))

Sistemas Dinâmicos

O Pêndulo de Foucault e o Teorema da Recorrência de Poincaré

O Pêndulo de Foucault, uma demonstração elegante da rotação da Terra, e o Teorema da Recorrência de Poincaré, um pilar da teoria dos sistemas dinâmicos, podem parecer mundos à parte à primeira vista, ou, para alguns, trivialmente conectados. No entanto, se fizermos uma reflexão mais profunda notamos uma conexão surpreendente e não trivial.

O pêndulo oscila em um plano que, visto de um sistema de referência fixo no espaço, permanece constante enquanto a Terra gira abaixo dele. Este movimento aparentemente simples é, na verdade, o resultado de um sistema dinâmico complexo, regido pelas leis da física – representada por equações diferenciais.

Agora, vamos considerar novamente o Teorema da Recorrência de Poincaré, ele afirma que quase todos os pontos em um sistema dinâmico (medida-preservante) retornarão a um estado muito próximo ao seu estado inicial, dado tempo suficiente. Em outras palavras, o sistema é ‘recorrente’.

Como isso se relaciona com o Pêndulo de Foucault? Bem, se considerarmos o movimento do pêndulo como um sistema dinâmico (o que é) resolver as equações (diferenciais) podem não ser uma boa ideia inicialemente… então entra o Teorema da Recorrência de Poincaré, com, não uma resposta, mas uma análise qualitativa que sugere, dado tempo suficiente, o pêndulo retornará a um estado muito próximo ao seu estado inicial. 

Isso significa que, se pudéssemos observar o Pêndulo de Foucault por tempo suficiente (e ignorar fatores como o atrito do ar e a resistência do fio), veríamos o pêndulo eventualmente retornar a um estado muito próximo ao seu estado inicial, demonstrando assim a recorrência prevista pelo teorema.

Embora na prática, fatores como o atrito do ar e a resistência do fio impeçam o Pêndulo de Foucault de demonstrar perfeitamente a recorrência prevista pelo teorema de Poincaré, esta é uma forma boa forma de começarmos a ver uma conexão teórica entre esses dois conceitos e ainda ganhar, mais uma, visão fascinante da interconexão entre diferentes áreas da física e da matemática.

Caos, Efeito Borboleta e a Dança dos Sistemas Dinâmicos

A teoria dos sistemas dinâmicos, também conhecida como Teoria do Caos, desafiou a imagem clássica do movimento determinístico. No entanto, uma reflexão profunda acerca da mecânica clássica nos fez questionar em muitos momentos se uma entidade como a sugerida por Laplace seria mesmo capaz de prever tudo – demônio de Laplace – a complexidade de problemas como “O Problema dos 3 Corpos”, “Pêndulo Duplo” entre outros. O estudo de sistemas dinâmicos mostram cada vez mais comportamentos complexos, aprofundando ainda mais o mistério – o andar do bêbado, fractais, turbulência.

Um dos conceitos mais fascinantes que emergiram dessa teoria e é uma ideia central para entender o caos, é o chamado Efeito Borboleta. Este fenômeno, nomeado pela metáfora de que o bater de asas de uma borboleta pode causar um tufão do outro lado do mundo, encapsula a ideia de que pequenas variações nas condições iniciais de um sistema dinâmico podem levar a grandes diferenças nos resultados a longo prazo. A teoria dos sistemas dinâmicos está sendo cada vez mais elaborada e sofisticada e a seguir veremos algumas das interpretações mais famosas.

Interpretação Ergódica

Esta interpretação amplamente aceita, defendida por George David Birkhoff, enfatiza a natureza estatística dos sistemas dinâmicos. As médias temporais são calculadas usando o Teorema Ergódico de Birkhoff, e o princípio da ergodicidade dita que certas propriedades, como a energia e o momento, são conservadas em média. Nessa interpretação, o sistema é descrito pela medida de probabilidade, que não é real, mas sim uma ferramenta matemática para descrever nosso conhecimento sobre o sistema antes da medida. A interpretação ergódica foca na natureza estatística da medida de probabilidade, não invocando o Teorema da Recorrência de Poincaré.

Teoria KAM (Kolmogorov-Arnold-Moser)

Desenvolvida por Kolmogorov, Arnold e Moser, esta interpretação apresenta uma alternativa quase-integrável. Os sistemas têm toros invariantes e frequências bem definidas, mesmo quando perturbados. A medida de probabilidade atua como uma “medida invariante”, guiando o movimento do sistema. Assim como na interpretação ergódica, a teoria KAM não tem necessidade do conceito do Teorema da Recorrência de Poincaré; os sistemas permanecem quase-integráveis, guiados por uma medida invariante.

Interpretação Caótica

A interpretação de Edward Lorenz postula que pequenas variações nas condições iniciais podem levar a grandes variações no comportamento dos sistemas dinâmicos. A medida de probabilidade evolui de forma sensível às condições iniciais, com todos os resultados possíveis ocorrendo em trajetórias separadas. Nessa interpretação, a medida de probabilidade permanece central.

Embora o Teorema da Recorrência de Poincaré tenha desempenhado um papel histórico, as interpretações modernas da teoria dos sistemas dinâmicos oferecem outras perspectivas. Em particular, a introdução do Efeito Borboleta trouxe uma nova dimensão à nossa compreensão dos sistemas dinâmicos, destacando a interação intrincada entre determinismo e aleatoriedade, ordem e caos.

A Teoria do Caos e o Efeito Borboleta continuam a ser áreas de pesquisa ativas, com aplicações que vão desde a previsão do tempo até a economia e além. À medida que continuamos a explorar o reino dos sistemas dinâmicos, esses conceitos servem como farois, guiando nossa jornada através deste mundo fascinante, contra-intuitivo e simplesmente caótico.

Referências

Ergodic Dynamics – From Basic Theory to Applications – Jane Hawkins, Springer
Será que Deus joga dados? A nova matemática do caos – Stewart Ian
[Studies in Nonlinearity] Steven H. Strogatz – Nonlinear Dynamics And Chaos_ With Applications To Physics, Biology, Chemistry And Engineering 1 (1994)

Créditos

Este texto foi escrito por Hassan Santos Primo, o criador de conteúdo do @nãotrivial.

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